Vamos do começo! A premissa foi definida, de forma natural, de dentro para fora, o conceito de "aprender com sentido" sugere uma estudante hiperativa, desatenta e muito revoltada. As minhas formações e competências, bem como habilidades e experiências não fazem jus a estudante que fui.
Na realidade, de alguma forma indireta, passei o ensino fundamental inteiro fazendo aulas particulares, mas com familiares, os quais não dispunham de paciência ou até mesmo conhecimento efetivo de determinada área, ou seja, carrego comigo uma impaciência e constante necessidade perfeccionista. Porém, ainda assim era na média, ora a baixo, eventualmente ia bem em algo. Neste ensejo, chego ao ensino médio e me dou conta das minhas reais necessidades, cujo os objetivos eram independência e sobrevivência, logo, comecei a trabalhar enquanto cursava o ensino médio.
A minha sorte era o ensino público escasso e fragilizado, assim não me preocupava com os estudos, conclui a escola e estava prestes a ser efetivada em um trabalho como recepcionista. Entretanto, estava com um sentimento de algo errado, como se estivesse sendo passada para trás, fui me dando conta da necessidade de estudar para conseguir um emprego "melhor", de possuir garantias.
Decidi prestar o vestibular, fiz o ENEM totalmente despretensiosa, apenas com o frescor do ensino médio recém concluído e com a ideia fixa de que os estudos não eram para mim, que não tinha condições ou capacidade de me graduar, era um sonho para outra pessoa, talvez mais afortunada ou ajuizada do que eu.
Com uma semana de carteira assinada, em mais uma noite de altos e baixos no trabalho, no instante de baixo movimento do atendimento ao público, resolvi conferir as minhas notas, era o último dia de bolsas e eu já compreendia de que em um outro momento eu pudesse relevar os estudos.
O inesperado aconteceu. Conquistei a minha bolsa integral pelo Programa Universidade para Todos, para o curso de biologia em licenciatura. Poderia contar muitas coisas sobre a vivência na graduação, paralelo ao trabalho dia e noite e o rótulo de bolsista zero à esquerda, mas fica para uma próxima. Conclui a graduação na explosão da pandemia, onde assisti não só os meus planos, mas sim de milhões de pessoas irem por água abaixo, sem mensurar a vitória de ter sobrevivido para contar essa história. Pensar nos estudos como válvula de escape se tornou a minha dependência.
Tratar sobre fugas está ligado diretamente a drogas ou qualquer comportamento fora do controle, mas também é quando nos dedicamos incondicionalmente a algo sem pestanejar, valorizar ou ao menos gostar. Em mais uma atitude despretensiosa e certa de que não ia conseguir, fui homologada para o mestrado na universidade federal e aprovada raspando.
Foram dois anos divididos em, uma parte sonhadora, determinada e muito ingênua, a outra despedaçada e totalmente perdida no tempo. Falar do tempo, de tudo que fiz, trabalhei e estudei foi um choque quando percebi que andava em círculos atrás de algo que nem eu mesma sabia. Uma parte de mim sentia muito orgulho de tudo que conquistei até então, a outra parte sente pelo sofrimento e desgaste que foi passar por tudo isso.
Viver em adoração por cada conquista é o mesmo que aplaudir um teatro vazio. Para ser protagonista precisamos de sentido.
Por isso, até os meus vinte e cinco anos eu pensava ter vivido de tudo, já havia conquistado tudo que eu quis, quando na verdade, nem acreditava sequer um momento em mim, apenas agarrava oportunidades sem medir o peso suportável.
Para além, o retorno financeiro que não chegou e me vi fraudada em ter sido convencida de que se eu estudasse pra valer, tudo seria mais fácil na vida adulta, dá até pena! Aprender com sentido chegou quando nada fazia muito sentido, eu vibro quando sinto que estou fazendo algo pulsante, quando me sinto no lugar certo.
O sentimento de estar perdido, desorientado faz com que não consigamos enxergar qualquer caminho possível, mas não é real. Sentir é primitivo. Sentir faz com que nunca mais ou sempre vamos fazer determinada ação, pois registramos através dos sentidos nossos conhecimentos.
A escola, os vestibulares, ensino técnico ou superior podem se tornar densos e volumosos, assim como na física, quando aplicamos fórmulas para apurar os detalhes de um espaço, conforme aprofundamos, vemos tantas variáveis possíveis, nos estudos não é diferente. Estudar pode e deve ser simultâneo ao prazer e cumprimento das responsabilidades, metas e propósitos.
Aulas particulares não deveriam ser acionadas em momentos de puro desespero, pois são formatos inclusivos e pensados unicamente para cada pessoa.
Para fechar este arco, hoje eu entendo as minhas versões, superaram perrengues, solidão e adoecer em ansiedade, pensando em dinheiro, em ser produtiva e em dar certo em algo. Hoje eu vejo a adulta capaz de ajudar, compreender e ensinar, dado o valor preenchido por mim e capacidade de unir a educação inclusiva como método para todas as idades, em um prisma de sentidos.